Acidentes não existem, especialmente quando as pessoas estão bêbadas

Suponha que você chegue em casa e encontre um vaso que ganhou de herança quebrado em pedacinhos no chão. Faz diferença se você acredita que o vaso foi quebrado acidentalmente ou intencionalmente? Pode apostar que sim! As interpretações que fazemos dos eventos importam muito.

Compreender se um ato foi intencional ou não nos permite navegar no nosso mar diário de interações sociais e dar sentido ao comportamento de outras pessoas. Estudos desenvolvimentais e experimentais sugerem que as pessoas têm uma tendência a explicar comportamentos como intencionais, provavelmente porque são mais fáceis de explicar do que se acreditarem em interpretações acidentais.

A tendência por explicações intencionais

Pesquisas recentes sugerem que os adultos têm uma tendência padrão de interpretar todos os atos como intencionais. Em uma série de estudos que examinam os julgamentos dos adultos sobre a intencionalidade de ações ambíguas demonstrou que as pessoas inicialmente interpretaram os atos como intencionais, embora esta interpretação possa ser revisada depois. Por exemplo, ao decidir se ações ambíguas como “Ele rasgou o pedaço de papel” ou “Ela acordou o bebê” foram feitas “de propósito” ou “por acidente”, as pessoas julgaram mais ações como feitas de propósito quando elas tinham que tomar suas decisões rapidamente, em comparação com as pessoas que tinham mais tempo. Além disso, as pessoas forneceram mais interpretações intencionais das ações (por exemplo, “Ele quebrou a janela”) quando não eram explicitamente lembradas da possibilidade de que a ação poderia ser acidental. Finalmente, uma tarefa de lembrança de memórias indicou que as pessoas precisavam de processamento adicional para decidir que uma ação era acidental, mesmo para ações que são sempre feitas acidentalmente, como deixar cair um copo de leite. Esses estudos sugerem que podemos ter um “tendência pela intencionalidade” ao explicar o comportamento de outras pessoas.

O efeito do álcool na cognição

É bem sabido que o consumo agudo de álcool perturba o funcionamento cognitivo. No entanto, seus efeitos mais perturbadores se manifestam no processamento de esforço controlado, como no controle da inibição, o raciocínio abstrato, a flexibilidade mental e a capacidade de compreender as múltiplas pistas externas envolvidas na tomada de decisões. Tem-se teorizado que a intoxicação alcoólica tem um efeito “míope” ou de estreitamento da atenção, no qual as pessoas intoxicadas concentram sua atenção nas características mais salientes de uma situação e não nas características mais sutis. Esse efeito de miopia provocado pelo álcool é relevante em qualquer situação em que a atenção a várias pistas é necessária para elaborar um julgamento preciso, como, por exemplo, decidir se um comportamento de outra pessoa é intencional ou acidental. Como o álcool também reduz o controle da inibição, as pessoas bêbadas podem ter mais dificuldade do que as pessoas sóbrias em inibir a tendência de interpretar os comportamentos das outras pessoas como intencionais.

Um estudo publicado no Personality and Social Psychology Bulletin, Laurent Bègue e colegas fizeram uma série de testes com 92 homens com idades entre 20 e 46 anos. O estudo consistiu em dar a cada um dos participantes bebidas que foram distribuídas aleatoriamente. Cada um recebeu 3 copos de diferentes sabores. Metade dos participantes recebeu bebidas que continham 56g de álcool puro com o objetivo de alcançar um teor alcoólico no sangue de 10%. Já a outra metade não tinha álcool na bebida. Os participantes tiveram 10 minutos para ingerir as bebidas e mais 20 minutos para completar algumas tarefas (dando tempo para o corpo absorver o álcool – no caso de participantes que consumiram álcool).

Em seguida, os participantes leram 50 frases descrevendo ações simples. Destas, 20 poderiam ser interpretadas como intencionais ou acidentais (por exemplo, “Ele deletou o e-mail”, “Ela amassou o papel”), 15 só poderiam ser intencionais (como, “Ela procurou as chaves”, “Ele abotoou a jaqueta”), e 15 só poderiam ser acidentais (como, “Ela tropeçou na corda”, “Ele pegou um resfriado”). Para cada frase os participantes tinham que indicar se achavam que as ações tinham sido acidentais ou intencionais.

Como era de se esperar, os participantes bêbados interpretaram mais atos como intencionais do que os participantes sóbrios. A explicação mais simples para estes resultados é que o álcool perturba as funções cognitivas que desempenham um papel de fazer explicações precisas. Por exemplo, um estudo descobriu o consumo de álcool aumenta um estilo hostil de processamento de informação, o que sugere que a tendência de interpretar comportamentos como intencionais tem consequências no mundo real.

As pessoas são especialmente tendenciosas em associar intencionalidade com comportamentos prejudiciais. Assim, os resultados dessa pesquisa podem ajudar a explicar por que há uma ligação entre o álcool e a agressão. Por exemplo, suponha que uma pessoa esbarre em outra pessoa em um bar lotado. A pessoa pode interpretar esta ação como intencional (por exemplo, a pessoa está querendo provocar uma briga) ou acidental (ela esbarrou em mim sem querer). Se a ação for interpretada como intencional, uma resposta irritada é mais provável, o que aumenta a possibilidade de uma discussão agressiva. Se a pessoa está bêbada, é possível que a ação seja interpretada como intencional do que se a ela está sóbria. Assim, o consumo de álcool contribui para uma interpretação hostil dos acontecimentos e, portanto, para a agressão.

Segundo Napoleão Bonaparte, “não há tal coisa como um acidente.” E conforme os resultados dessa pesquisa, as pessoas bêbadas são mais propensas a acreditar na declaração de Napoleão do que são pessoas sóbrias.