O impacto das mídias eletrônicas em crianças

Ao longo da infância, as crianças passam mais tempo assistindo TV do que na escola. Em média uma criança de sete anos de idade já assistiu TV (ou outras mídias) por mais de um ano completo. Aos 18 anos, um jovem europeu terá passado uma média de 4 anos em frente a uma tela.

Mas esse tempo não é mais uma questão cultural sobre como as crianças utilizam o seu tempo de lazer, mas tornou-se uma questão médica. Pesquisas publicadas nas revistas médicas e científicas mais respeitáveis do mundo mostram que a enorme quantidade de tempo que as crianças passam assistindo TV, DVDs, computadores e a internet está vinculada a importantes mudanças biológicas mensuráveis em seus corpos e cérebros que podem ter consequências médicas significativas.

Tempo gasto em frente às telas

Grande parte da preocupação com as mídias é baseada no número médio de horas por dia em que as crianças passam assistindo TV, por exemplo, isso agora é referido como a “dose” de mídia eletrônica consumida.

Ao longo dos últimos vinte anos, a interação social (contato olho-a-olho) diminuiu de 6 para quase 2 horas/dia enquanto a interação com mídias eletrônicas aumentou de 4 para 8 horas/dia. Pouco antes do ano 2000, a vida se tornou literalmente virtual: as pessoas passaram a gastar mais tempo na frente de uma tela do que interagindo com outros seres humanos.

O consumo de uma dose elevada de mídias eletrônicas começa logo no início da vida. Aos 3 meses de idade, 40% dos bebês são espectadores regulares de televisão, DVDs ou vídeos, e com a idade de 2 anos, esse número aumenta dramaticamente para 90%. Nos Estados Unidos, como em outros lugares, crianças com menos de 8 anos estão gastando mais tempo do que nunca em frente às telas. Um novo estudo descobriu que quase a metade das crianças assistem diariamente a TV ou DVDs numa média de quase duas horas/dia. Enquanto isso, crianças britânicas de 11 a 15 anos gastam 55% de suas vidas de vigília – 53 horas/semana, ou 7,5 horas/dia – utilizando mídias eletrônicas – um aumento de 40% em apenas uma década.

Impactos

A idade em que as crianças começam a utilizar essas mídias e o número de horas gastas por dia estão cada vez mais ligados a mudanças fisiológicas negativas e consequências médicas.

Um exemplo geral disso é encontrado em um estudo publicado no jornal da American Medical Association Archives of Pediatric and Adolescent Medicine que examinou a exposição à televisão aos 29 meses e 53 meses e os efeitos posteriores sobre as crianças quando chegaram aos 10 anos de idade. Os pesquisadores concluíram: “Embora esperássemos que o impacto inicial da TV desaparecesse após 7,5 anos de infância, o fato de que os resultados negativos permaneceram é bastante assustador”. Especificamente, eles descobriram que “todas as horas adicionais de exposição à TV por dia entre as crianças corresponderam a uma diminuição futura do engajamento em sala de aula e sucesso em matemática, aumento da vitimização por colegas de classe (bullying), estilo de vida mais sedentário, maior consumo de junk food e, em última análise, maior índice de massa corporal”.

Impactos na saúde física

Não é de se surpreender que passar horas por dia sentado inerte em vez de correndo não faz as crianças manterem a forma. Mas pesquisas cada vez mais identificam o uso de mídias eletrônicas como um fator independente e significativo na obesidade infantil. De fato, assistir TV, por exemplo, parece levar a um ganho maior de gordura corporal do que outras atividades sedentárias, como a leitura.

Mas como a TV aumenta a gordura corporal? Pesquisadores de Harvard informaram que além de simplesmente substituir a atividade física, a TV parece diminuir o metabolismo e queimar menos calorias em comparação com outras atividades sedentárias, como costurar, ler, escrever ou dirigir um carro. Eles acrescentaram: “assistir TV por tempo prolongado está diretamente relacionado à obesidade e ao risco de diabetes”. Outro estudo descobriu que o metabolismo em repouso das crianças diminuiu à medida que as horas semanais médias em frente à TV aumentaram.

Assistir televisão também nos faz comer significativamente mais, mesmo sem estar com fome. Um estudo recente descobriu que mesmo as crianças que assistiram uma quantidade abaixo da média de televisão (menos de três horas por dia durante uma média de 2,7 dias por semana) comeram aproximadamente o equivalente a uma refeição a mais por dia do que aqueles que não assistiram TV.

Um estudo anterior no American Journal of Preventive Medicine analisou que crianças que assistiam 2 a 4 horas de TV por dia tiveram 2,5 vezes a probabilidade de ter pressão alta em comparação com as crianças que assistiam de 0 a 2 horas/dia. Enquanto as crianças que assistiam 4 ou mais horas eram 3,3 vezes mais propensas a ter pressão arterial alta.

No entanto, algumas pesquisas promissoras do Departamento de Saúde Pública da Universidade de Cornell sugeriram que existe uma relação inversa forte e natural entre o tempo da tela e a atividade física. E, ao reduzir o tempo em frente à tela elas podem se tornar mais fisicamente ativas.

O cérebro

Apesar da preconcepção de que jogos de computador são mais estimulantes do que assistir passivamente a um desenho animado, a evidência indica que mesmo esta mídia interativa está associada a uma atividade neurológica limitada. Um estudo que analisa as diferenças no fluxo sanguíneo cerebral entre crianças que jogam jogos de computador e crianças fazendo aritmética simples e repetitiva – somando números de um único dígito – descobriu que os jogos de computador estimulam a atividade apenas nas partes do cérebro associadas à visão e movimento, em comparação com a atividade cerebral estimulada por aritmética, que ativam diversas áreas nos lobos frontais esquerdo e direito.

Outros estudos encontraram “múltiplas mudanças estruturais” profundas no cérebro de adolescentes que gastam quantidades excessivas de tempo na internet. Os 13 pesquisadores de 7 instituições descobriram que várias pequenas regiões nos cérebros desses adolescentes eram menores, em alguns casos até 10 a 20 por cento. Além disso, a matéria cerebral de nível superficial parece encolher em consonância com a gravidade do “vício em internet”. Encolhimento este que pode levar a efeitos negativos, como a redução da inibição de comportamentos inadequados e a orientação por metas diminuída.

Distúrbios de sono

Um número crescente de estudos vem demonstrando que as crianças estão dormindo menos do que as gerações anteriores e estão enfrentando mais dificuldades para dormir. Novas pesquisas encontraram uma relação significativa entre a exposição à televisão e as dificuldades de sono em diferentes faixas etárias que variam de bebês a adultos. Um estudo com 2068 crianças e bebês descobriu que o tempo assistindo televisão estava associado a padrões de sono irregulares.

Um estudo na Universidade de Columbia descobriu que adolescentes que assistiam três ou mais horas de televisão por dia acabaram tendo um risco significativamente aumentado de apresentar distúrbios de sono frequentes ao atingir a vida adulta. Lembre-se que essa quantidade de tempo é bastante inferior à média de horas que adolescentes passam utilizando alguma forma de mídia eletrônica. Por outro lado, os adolescentes que reduziram o tempo gasto assistindo televisão de uma hora ou mais para menos de uma hora por dia sofreram uma redução significativa no risco de problemas de sono subsequentes.

Distúrbios de Atenção

Mídias eletrônicas estão associadas a alterações no desenvolvimento do sistema de atenção das crianças. Um estudo com 2.500 crianças, publicado na revista Pediatrics, analisou se a exposição precoce à televisão durante períodos críticos do desenvolvimento cerebral estaria associada a problemas de atenção subsequentes. A resposta foi sim, estaria.

Embora a herança genética possa representar uma parte importante da prevalência do TDAH, e, apesar de décadas de pesquisa pouco terem focado no papel potencialmente crucial que as experiências da primeira infância podem ter no desenvolvimento de problemas de atenção, pesquisadores se perguntaram se havia um agente ambiental omnipresente que está colocando algumas crianças em risco de desenvolver TDAH. Eles descobriram que crianças de 1 a 3 anos que assistiam à televisão tiveram um risco significativamente maior de desenvolver tais problemas de atenção quando chegaram aos 7 anos de idade. Para cada hora de televisão que uma criança assistiu por dia, houve um aumento de 9% nos problemas de atenção.

Outro estudo concluiu que assistir televisão na infância está associado a problemas de atenção na adolescência. Esses resultados sustentam a hipótese de que a contato com televisão na infância pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de atenção e que os efeitos podem ser duradouros.

Outro estudo controlado com jovens de 14 a 22 anos também concluiu que: “Assistir frequentemente televisão durante a adolescência pode estar associado ao risco de desenvolver problemas de atenção, dificuldades de aprendizagem e piores resultados educacionais a longo prazo. Os jovens com idade média de 14 anos que assistiam 1 hora ou mais de televisão por dia apresentaram risco elevado de não fazer a lição de casa, atitudes negativas em relação à escola, notas precárias e falência acadêmica a longo prazo. Sendo que, os jovens que assistiram 3 ou mais horas de televisão por dia eram os mais propensos a apresentar tais resultados, além de ter um risco elevado de apresentar problemas de atenção subsequentes e menor propensão de obter ensino superior”. (Johnson et al., 2007)

Um estudo longitudinal incluiu exposição a jogos de computador em suas avaliações sobre o efeito das mídias eletrônicas na atenção e ampliou a faixa etária para incluir pessoas de 8 a 24 anos de idade. No entanto, os efeitos parecem ser os mesmos independentemente da idade: “Ver televisão e jogar videogame estão associados a uma maior incidência de problemas de atenção subsequentes na infância, na adolescência tardia e no início da vida adulta. (Swing et al., 2010)

Desempenho Escolar

Crianças que assistem televisão com menos de 3 anos apresentam efeitos prejudiciais em suas habilidades matemáticas, compreensão e interpretação literária mais tarde na infância. Um estudo longitudinal de 26 anos, que rastreia as crianças desde o nascimento, concluiu que “assistir televisão na infância e adolescência está associado a um baixo sucesso escolar aos 26 anos de idade. A exposição precoce à televisão pode ter consequências adversas duradouras para na realização escolar e posterior status socioeconômico e bem-estar”. Os autores descrevem uma relação dose-resposta entre a quantidade de televisão assistida e a diminuição do desempenho escolar, que tem “plausibilidade biológica”. Ocorreram efeitos significativos a longo prazo, mesmo nos chamados níveis modestos de tempo assistindo televisão: entre uma e duas horas por dia. Eles também concluíram que “o valor educacional geral da televisão era baixo. Essas descobertas oferecem pouco suporte para a hipótese de que uma pequena quantidade de televisão possa ser benéfica” (Hancox et al., 2005).

Pesquisadores canadenses realizaram um estudo prospectivo examinando as horas semanais de exposição à televisão aos 29 e 53 meses de idade e, posteriormente, o bem-estar acadêmico, psicossocial e físico aos 10 anos. Entre as muitas associações negativas identificadas, eles relataram “cada hora adicional de exposição à televisão aos 29 meses correspondeu [anos depois] numa diminuição de 6 a 7% no engajamento em sala de aula e no desempenho matemático. Níveis mais elevados de exposição à televisão na primeira infância previram pior comportamento de aprendizagem orientado a tarefas, além de pior habilidade de aprendizagem autônoma em sala de aula. Assistir à televisão na infância prejudica a atenção e poderia eventualmente favorecer o risco à uma disposição mais passiva e não ativa ao se deparar com situações de aprendizagem”. (Pagani et al., 2010)

Saúde Mental

O tempo gasto utilizando mídias eletrônicas agora está associado à saúde mental infantil. Um estudo médico recente descobriu que crianças que passaram [mais de] 2 horas por dia assistindo televisão ou usando um computador apresentaram maior risco de altos níveis de dificuldades psicológicas. Tanto assistir TV quanto o uso de computador são alvos independentes importantes para a intervenção no bem-estar ideal das crianças, independentemente dos níveis de atividade física ou tempo sedentário geral. (Page et al 2010)

A Academia Americana de Pediatria publicou um novo relatório sobre O Impacto das Mídias Sociais em Crianças, Adolescentes e Famílias, que agora se refere à “depressão do Facebook”, definida como a depressão que se desenvolve quando pré-adolescentes e adolescentes passam muito tempo em sites de redes sociais, como o Facebook, e então começam a exibir sintomas clássicos de depressão.

Um relatório da Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade às Crianças (NSPCC) em 2010 descobriu que mais crianças estão relatando que são solitárias do que em anos anteriores. Uma discriminação detalhada das ligações feitas para a ChildLine nos últimos cinco anos mostrou que as chamadas sobre a solidão quase se triplicaram. Entre os meninos, o número foi mais de cinco vezes maior do que em 2004 (NSPCC 2010). Somos constantemente informados de que, com tantas tecnologias de comunicação modernas e a capacidade das crianças de entender como usá-las, nunca foram tão conectadas entre si. No entanto, ao explicar o papel da tecnologia no aumento da solidão, o relatório da Fundação de Saúde Mental ressalta: “A Internet mudou a forma como as pessoas se comunicam, mas alguns especialistas argumentam que os sites de redes sociais como Facebook e Twitter minam as habilidades sociais e a capacidade de ler a linguagem corporal. A tecnologia não fornece o contato físico que beneficia o bem-estar. A função cognitiva melhora quando um relacionamento é físico, bem como intelectual, por causa do processo químico que ocorre durante a comunicação presencial. (Mental Health Foundation, 2010)

Interação Familiar

Estudos na Universidade de Stanford levaram a uma teoria do “deslocamento” do uso da internet e os pesquisadores usam linguagem bastante direta: “Em suma, não importa como o tempo online é medido e não importa qual tipo de atividade social é considerada, o tempo gasto na Internet reduz o tempo gasto em relacionamentos cara a cara. Em média, uma hora na Internet reduz o tempo de cara a cara com a família em cerca de vinte e quatro minutos. E nos fins de semana, isso significa que, por cada minuto gasto online, há um correspondente 0,48 segundos menos gasto com os membros da família. O tempo gasto na Internet em casa tem uma forte e significativa influência negativa no tempo gasto com os membros da família”. (Nie 2001,2003, 2005)

Um estudo em andamento das famílias pela Universidade da Califórnia descobriu que o desengate social agora está aumentando rapidamente, pois as interações humanas lado-a-lado e olho-a-olho estão sendo deslocadas pelo relacionamento olho-a-tela (Campos et al., 2009). O impacto dos aparelhos eletrônicos de multitarefa é uma das áreas de mudança mais dramáticas, descritas pelos cientistas como “bastante consequente para a estrutura do relacionamento familiar” (Ochs, 2006). Com o aumento do tempo em frente às telas, qualquer consequente redução na interação e conexão social está ligada a alterações fisiológicas, juntamente com o aumento da morbidade e mortalidade. (Sigman, 2009)

Conclusão: O que pode ser feito?

Embora frases populares, como “alcançar um equilíbrio” ou “tudo com moderação”, possam parecer tranquilizadoramente sensíveis, um dos principais obstáculos para incentivar as pessoas a reduzir o tempo que seus filhos passam assistindo televisão ou usando outras formas de mídias eletrônicas é a imprecisão de termos como “moderação” e “excessivo”, uma vez que ninguém nos diz o excesso realmente significa. A maior parte do dano ligado ao tempo assistindo TV parece ocorrer quando o tempo passa de uma hora e meia por dia. No entanto, as crianças assistem televisão em média 3 a 5 vezes mais do que isso. Embora, em última análise, o tempo possa ser uma questão de escolha pessoal, esta deve ser uma escolha informada.

Se pudermos reduzir o tempo total diária em frente à tela para crianças e atrasar a idade em que começam, isso deve proporcionar vantagens significativas para sua saúde e bem-estar. Os seguintes são apenas ideais para os pais. Mesmo que não sejam cumpridos, é importante ter consciência de que tais ideais existem como um ponto de referência:

• Oitenta por cento do crescimento do tamanho do cérebro adulto ocorre durante os primeiros 3 anos de vida da criança, momento em que eles estão mais vulneráveis aos efeitos das mídias eletrônicas. Devemos atrasar/minimizar a o tempo de exposição às mídias até os 3 anos de idade.

• Devemos evitar colocar televisão nos quartos das crianças.

• Os pais devem ser encorajados a monitorar e controlar o tempo que seus filhos gastam em jogos de computador/vídeo games e televisão.

• Os limites de tempo ideais são: 3 – 7 anos: 0,5 – 1 hora por dia; 7 a 12 anos: 1 hora; 12 – 15 anos: 1,5 horas; e 16+ anos: 2 horas